UMA JORNADA DE JOÃO E MARIA



Uma Jornada de João e Maria foi a Primeira peça da Cia de Teatro Nóis na Mala que estreou em 2012 e caminhou pelas cenas teatrais até o ano de 2017. Pra quem tem curiosidade para saber como é que foi essa jornada seguem algumas informações sobre como foi essa aventura: 

SINOPSE 

foto por Priscila Ferreira
Duas crianças de uma pequena vila do sertão, João e Maria, um dia ouvem uma conversa dos pais acerca do que deveriam fazer diante da falta de comida.  A escolha dos pais em abandonar as crianças, na esperança de que tivessem uma melhor sorte em outro lar, leva João e Maria a entrarem em uma jornada cheia de desafios, inimigos e aliados, que os obrigará a fazerem suas próprias escolhas.




JUSTIFICATIVA
“Trato de temas sérios, e as crianças entendem sem preconceitos. Os adultos chegam com armaduras, na defensiva, diferente das crianças que estão sempre prontas para aprender” 
Michel Ocelot, animador francês.

UMA JORNADA DE JOÃO E MARIA:
TEATRO ESPERTO PARA CRIANÇAS



foto por Fabio Ando Filho
O conto João e Maria, dos Irmãos Grimm, é escrito a partir da compilação de história de tradição oral do período medieval europeu. Essas histórias, em sua origem, muitas vezes, refletiam claramente o contexto de miséria que abrangia a maior parte da população. Daquele período até a atualidade as histórias foram recebendo diversos tratamentos de maneira a enfraquecer a discussão sobre o contexto de contradições sociais que permeia a fábula. O conto João e Maria apresenta claramente os seguintes temas: a fome, em decorrência de um contexto de miséria e como disparadora das ações; as escolhas que são feitas frente às situações extremas; e a jornada de João e Maria, no mundo, que os leva ao aprendizado e ao crescimento.
foto por Fabio Ando Filho
 A montagem Uma jornada de João e Mariada Cia de Teatro Nóis na Mala se propõe a apresentar uma discussão dos temas presentes no conto clássico, que são vistos muitas vezes como temas demasiado “sérios” para se tratar com crianças, acreditando que tanto as crianças como os adultos possam ter vários níveis de troca de experiência com o espetáculo. O grupo formado para a montagem é composto por artistas de teatro que também atuam na área da educação, compartilhando o pensamento de que as crianças tem saberes, valores e referências para a interlocução com os ditos “temas sérios” e que esses temas fazem parte da vida e são pertinentes não só aos adultos. É importante ressaltar que assim como o grupo leva à cena temas sério também leva muito a sério o fazer teatro para crianças, buscando mesmo um teatro de faixa etária livre, feito com rigor estético, com unidade de linguagens, com coerência entre forma e conteúdo.

TEATRO DE FAIXA ETÁRIA LIVRE


foto por Fabio Ando Filho
Acreditamos em um teatro de faixa etária livre, que elimine a noção de teatro infantil superficial e puro entretenimento banal. Trabalhamos para um teatro feito com toda pesquisa e empenho técnico necessários para garantir uma troca significativa através da arte e que possa ser apreciado em um verdadeiro encontro de gerações. Essa ideia encontra base na pesquisa fundamental do grupo que é a tradição oral, o ato de contar histórias em comunidade.

foto por Fabio Ando Filho
Nas sociedades tradicionais, toda a comunidade da aldeia participava dos serões de contos, independentemente de idade ou do papel na sociedade.
Essa prática facilitava a solidariedade intergeracional, porque o conto pode circular entre gerações diferentes, sem encontrar obstáculos. Por meio dele, os problemas da vida podem ser tratados pelos diferentes pontos de vista.
Nas sociedades tradicionais, a construção do amanhã implicava necessariamente todas as gerações. O convívio das crianças com os adultos e com os velhos não só era fonte de prazer para as crianças, como necessário para sua inserção harmoniosa na sociedade. (MATOS, Gislayne Avelar. A palavra do contador de histórias: Sua dimensão educativa na comtemporaneidade.São Paulo: Martins Fontes, 2005).

foto por Fabio Ando Filho
Este espetáculo é baseado em um conto de tradição oral, mas o texto produzido no processo é contemporâneo, original e foi escrito. Porém foi escrito em grupo, baseado no conto tradicional, composto através da improvisação dos atores, portanto primeiramente de forma oralizada, mas sobretudo construído com base na estrutura arquetípica da Jornada do herói. A jornada do herói, também conhecida como monomito, é um conceito de estrutura narrativa cíclica desenvolvida por Joseph Campbell, pesquisador norte americano de mitologia comparada. Nosso interesse por esta estrutura está nos três estágios básicos do monomito que podemos verificar facilmente na jornada empreendida por João e Maria, são eles: Partida/Separação, Iniciação e Retorno. O trabalho com os arquétipos, com essas impressões primitivas de algo que reverbera no tempo e no espaço, também foi um estímulo; principalmente frente à ideia difundida no trabalho de Campbell de que existem alguns elementos estruturais recorrentes em narrativas diversas. Assim, o texto levado à cena apresenta figuras arquetípicas como a mãe, o pai, o miserável, o detentor de poder, o contador de histórias etc, resignificados na atualidade.

TEATRO BRECHTIANO PARA CRIANÇAS

foto por Priscila Ferreira
Bertolt Brecht, artista de teatro alemão do início do séc. XX, no texto Pequeno Organon, parte da premissa de que o teatro é essencialmente diversão. Porém ao longo do mesmo texto nos conduz a ideia de que o teatro, sendo mesmo diversão, é também um modo de apresentar imagens vivas de uma certa comunidade e propiciar uma reflexão a cerca delas. Brecht propôs um teatro sempre preocupado em desenvolver efeitos cênicos que melhor comunicassem, transformando tanto elementos de encenação como o próprio texto. Essa característica diz respeito ao fato do teatro dever acompanhar as transformações da realidade, uma vez que este é feito a partir dela e para ela. O teatrólogo buscava um teatro científico no sentido de aprofundar o conhecimento em uma experiência, que no caso é sempre uma experiência social. Isto é, um teatro capaz de esclarecer o público sobre a sociedade e a necessidade de transforma-la; capaz ao mesmo tempo de ativar o público, de nele suscitar a ação transformadora (ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2004). Esse teatro foi chamado pelo próprio Brecht de épico, didático e dialético, entre outras conceituações. Essas características também podem ser notadas em muitos contos tradicionais.

Nos contos, a dupla função de educar e divertir é indissociável. Se fizermos do conto africano uma simples diversão, ele não é conto; se fizermos dele um curso de moral ou de filosofia, nós o desfiguramos da mesma forma. O conto é ao mesmo tempo fútil, útil e instrutivo. (N’DAK, Pierre. Citado por Gislayne Avelar Matos in: A palavra do contador de histórias)

foto por Fabio Ando Filho
Assim, o espetáculo Uma Jornada de João e Maria busca unir o universo do conto tradicional e da estrutura mítica à forma épica ou dialética de teatro, em busca de um teatro para crianças que seja ao mesmo tempo fútil, útil e instrutivo. Na tradição popular nordestina, toda representação artística é chamada brincadeira. Essa peça é uma brincadeira que fala da vida de fato e fala de arte de fato, fala de arquétipos, de mitologias, de contradições sociais, de poder, mas também de doçura, de poesia, de meninice, molecagem, namorico e crescimento.


A ENCENAÇÃO

foto por Priscila Ferreira
A montagem foi guiada pelos pressupostos do teatro épico, tirando o foco da simples dramatização da trajetória de dois heróis e ressaltando o conjunto de contradições sociais que os colocam na situação de conflito. Essa abordagem épica nos levou a situar a fábula no sertão nordestino, trazendo a tona um contexto brasileiro de miséria que pode ser análogo ao contexto medieval europeu, no qual se originou o conto. A encenação se utiliza de poucos elementos de cenografia, enfatizando a característica de oralidade presente nos contos e a interpretação dos atores. A visualidade é trabalhada nos jogos dos atores com adereços de cena e figurinos que não apenas ilustram, mas também ajudam a contar a história. Os objetos de cena são utilizados ora de maneira literal, ambientando a cena, ora de maneira simbólica, sendo eles resignificados a cada cena. Durante a pesquisa criou-se uma linguagem cenográfica utilizando-se de caixotes de feira que ganham diversas significações ao longo da peça, criando espaços como a casa dos pais na vila sertaneja, a cidade e a loja de doces (casa da bruxa no conto clássico). Além disso, o grupo construiu uma mala para cada ator usar em cena feita com madeira de caixotes e preservando estrutura e forma do mesmo. Essa escolha de composição cenográfica traz ao espetáculo tanto o aspecto de pobreza, aludindo ao tema central, como reporta à forma popular e mambembe de arte e ainda confere caráter épico à encenação, na medida em que objetos são resignificados durante a ação para contar a história, o que ressalta a teatralidade do espetáculo.

MÚSICAS E CANÇÕES
foto por Fabio Ando Filho
Uma forte característica do trabalho da Cia de Teatro Nóis na Mala sempre foi a musicalização das histórias, tanto no sentido da ambientação sonora, utilizando-se de diversos recursos instrumentais, como na produção de paródias e canções originais. O processo de composição e estudo musical dentro do grupo começou com a pesquisa de canções tradicionais de domínio público, fazendo uso delas na íntegra ou como base para uma letra de novo conteúdo, de acordo com a história contada. Ao mesmo tempo se dava o processo de sonorização, ambientação sonora das histórias, utilizando-se de instrumentos como violão, cavaquinho, pandeiro, apitos indígenas, instrumentos percussivos alternativos etc, dando margem à composição de pequenos temas musicais para as histórias e estabelecendo uma dinâmica de improvisação musical em cena, criando frases musicais durante a ação cênica. O passo seguinte foram as canções originais para as histórias, lançando mão do recurso das paródias só quando necessário.

foto por Fabio Ando Filho
O espetáculo Uma Jornada de João e Maria segue essa mesma linha e seria mesmo a potencialização dessa pesquisa na medida em que conta com a participação de outros atores e músicos em um intenso processo de criação coletiva. A montagem conta com nove canções originais e uma a três canções populares de domínio público executadas durante a entrada do público, além de diversos trechos de musicalização durante as cenas do espetáculo. Assim, a trilha da peça se divide em Música Incidental e Canções Originais. As Músicas incidentais são músicas compostas para a ambientação sonora das cenas, criadas e executadas pelo Músico-ator do espetáculo, Ravi Landim e advindas da interação entre ele e os atores em cena durante os ensaios. A ideia de Músico-ator tem também origem na estrutura de contação de histórias do grupo, onde um dos contadores é também instrumentista e cantor durante a ação cênica. Mas esta opção no teatro também é uma escolha de encenação, entendendo ser coerente com as formas épica e popular de teatro a assunção do músico em cena como um dos artistas criadores e contadores da história, em oposição a um modelo de teatro em que o músico dá apenas discreto suporte, permanecendo na penumbra ou no fosso da orquestra, tentando criar talvez a ilusão de que não está lá e a música vem de algum lugar mágico e misterioso. Aqui se trata de mostrar sim uma mágica, uma magia, mas revelada ao público pelo artista, pelo humano que a executa.


foto por Fabio Ando Filho
As Canções Originais são resultado de uma pesquisa que envolve pelo menos dois pilares, os ritmos e motivos populares nordestinos, comobaiãocôcojongoforró e frevo; e as canções compostas para público infantil de Chico Buarque e Edu Lobo, sobretudo no álbum O Grande Circo Místico. Essas obras apresentam características que vem ao encontro da pesquisa do grupo na medida em que respeitam a criança como apreciadora de arte e ainda se fazem obras abrangentes à todas as faixas etárias. As canções de uma Jornada de João e Maria são pensadas seguindo um grande rigor estético no que toca à unidade de linguagem, na escolha dos temas e dos ritmos empregados, e também no que toca à criação de cada canção, pesquisando avidamente para a composição de canções ricas em todos os aspectos, melodia, harmonia e letras, prezando pelos conteúdos comunicados, mas sem perder a elaboração poética em termos de prosódia e oralidade. Acreditamos que as canções tem dois tipos de efeito sobre o público, o imediato, durante a ação cênica e daí a preocupação com a comunicabilidade das letras e o efeito a médio e longo prazo, que se faz possível quando a criança tem a oportunidade de levar para casa as canções na forma impressa das letras no programa da peça, podendo ler e reler seus conteúdos e teor poético. Assim, se queremos fazer um Teatro Esperto para Crianças, nossas músicas e canções devem seguir a mesma trilha, traçando uma consistente pesquisa para sua execução.



A CRIAÇÃO DO TEXTO

foto por Cia de Teatro Nóis na Mala
O ponto de partida é o conto João e Maria (Hensel und Gretel) dos Irmãos Grimm. Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786- 1859) Grimm foram dois bibliotecários que em meados do século XIX compilaram e recriaram contos populares alemães de tradição oral. Os contos fazem parte até hoje do imaginário infantil e continuam a ganhar novos detalhes e versões conforme são contados de uma pessoa para outra ou reescritos. Para esse projeto foi usada uma tradução do inglês realizada pela Cia. Com base nessa tradução foi criado um canovaccio, um roteiro de ações das personagens que orienta uma improvisação. As improvisações a cada ensaio foram sendo registradas, criando uma coleção de textos que eram feitos, refeitos e alterados. Por fim se chegou a uma última versão, mas que continuará sendo modificada conforme a necessidade que a atualidade apresentar.




FICHA TÉCNICA


foto por Fabio Ando Filho
ATORES CRIADORES
Danilo Minharro, Francisco Wagner, Heidi Monezzi e Priscila Schimit.
MÚSICO -ATOR
Ravi Landim.
DIREÇÃO
Bruno Cordeiro e João Alves.




MÚSICAS ORIGINAIS
foto por Fabio Ando Filho
Bruno Cordeiro, Danilo Minharro, Heidi Monezzi e Ravi Landim.
ILUMINAÇÃO
João Alves.
FIGURINOS
Heidi Monezzi.




foto por Fabio Ando Filho
ARTE GRÁFICA
Gabriel Marcondes.
PESQUISA E CONCEPÇÃO DRAMATURGICA
Cia de Teatro Nóis na Mala.
PRODUÇÃO
Cia de  Teatro Nóis na Mala 







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